Luís da Câmara Cascudo pediu, em um de seus artigos, "licença para contar uma história que nunca foi contada". Esse estudo foi publicado pela primeira vez no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1941 e transcrito, posteriormente, na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Tema
do artigo: os fanáticos da Serra de João do Vale. Mais tarde,
Tarcísio Medeiros abordou o assunto em seu livro "Aspectos Geográficos
e Antropológicos da História do Rio Grande do Norte".
É,
portanto, uma história pouco conhecida.
O
local em que tudo aconteceu foi a Serra de João do Vale, que fica
no município de Augusto Severo. Possui tal denominação
porque herdou o nome do seu primitivo proprietário, João
do Vale Bezerra.
Joaquim
Ramalho do Nascimento, que seria um dos chefes dos fanáticos, nasceu
no sítio "Cajueiro", em 1862, filho de Manuel Ramalho do Nascimento
e de dona Isabel Maria da Conceição.
Luís
da Câmara Cascudo traçou o perfil de Joaquim Ramalho, com
as seguintes palavras: "Gordo, lento, apático, amarelo, foi menino
sujeito às cismas, meditações longas, olhar parado,
acompanhando um pensamento misterioso. Com poucos anos, afirma-se a tendência
mística, nas orações sem fim, passos tirmoados, braços
para o firmamento, rezando missas, impondo penitências".
Joaquim
Ramalho cresceu e, adulto, se casou, passando a morar na Vila do Triufo.
Continuou, entretanto, com o mesmo comportamento estranho, rezando sempre.
No
final de 1894, morreu o vigário de Triunfo, padre Manuel Bezerra
Cavalcante, com oitenta anos, sendo chorado por toda a comunidade.
No
ano de 1898, Joaquim Ramalho teve um ataque, assim descrito por Câmara
Cascudo: "Bruscamente parou, nauseante, gorgulhando vômitos e caiu
de bruços, pesadamente". Durante a crise, começou a cantar.
Quando recobrou os sentidos, não se lembrava de nada. O fenômeno
se repetiu nas outras tardes seguintes. A notícia se espalhou rapidamente,
crescendo o número de curiosos, todos querendo assistir à
cena. Estava nascendo mais um líder místico no sertão
nordestino. Como Joaquim Ramalho tinha lido Allan Kardec, acreditou que
estava sendo possuído pelo espírito do velho vigário.
Dentro em breve, segundo o beato, o espírito de outro sacerdote
passou a se encarnar nele: padre Manuel Fernandes, vigário de Macau.
À
medida que o arraial crescia, tudo se desorganizava nos arredores. As
pessoas abandonavam o trabalho para seguir o beato, ao mesmo tempo em
que aumentava a devassidão.
Um
mestiço, de nome Sabino José de Oliveira, de acólito
de Joaquim Ramalho subiu de categoria quando recebeu o espírito
de um padre italiano, chamado Brito de Maria da Conceição.
Nessa
altura dos acontecimentos, "a moral desceu à quota zero" na palavras
de Câmara Cascudo.
Começaram,
então, a surgir reclamações. O coronel Luiz Pereira
Tito Jácome denunciou o movimento ao governador do Estado, desembargador
Joaquim Ferreira Chaves que, recebendo várias queixas, nomeou o
tenente do Batalhão de Segurança, Francisco Justino de Oliveira
Cascudo, para acabar com a festa.
Os
dois místicos foram presos em "Pitombeira". Não houve nenhuma
reação. Joaquim Ramalho disse apenas que "Deus foi preso,
quando mais eu...".
Sabino
caiu no chão, como se estivesse sendo possuído por um espírito.
O tenente, inteligente, percebeu a "farsa", e bateu nele com a espada.
Sabino se ergueu rápido, dizendo: "Pronto seu tenente, o espírito
já saiu, Voou na ponta da espada...
"Joaquim
e Sabino foram presos e levados para a cadeia de Triunfo. E desmoralizados
perante seus adeptos, por causa das declarações que eles
prestaram à polícia. O processo policial, contudo, não
deu em nada. Os dois beatos foram colocados em liberdade.
Joaquim
Ramalho, ao sair da prisão, voltou a trabalhar na agricultura.
Morreu no seu sítio "Malhada Redonda", com idade avançada,
picado por uma cascavel. Nunca mais recebeu "espírito"... O outro
não se sabe como terminou. Uma coisa é certa: ficou totalmente
curado...
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