segunda-feira, 10 de março de 2014

VEJAM UMA HISTÓRIA DA SERRA DE JOÃO DE 1862

Fanáticos da Serra de João do Vale
Luís da Câmara Cascudo pediu, em um de seus artigos, "licença para contar uma história que nunca foi contada". Esse estudo foi publicado pela primeira vez no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1941 e transcrito, posteriormente, na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Tema do artigo: os fanáticos da Serra de João do Vale. Mais tarde, Tarcísio Medeiros abordou o assunto em seu livro "Aspectos Geográficos e Antropológicos da História do Rio Grande do Norte".
É, portanto, uma história pouco conhecida.
O local em que tudo aconteceu foi a Serra de João do Vale, que fica no município de Augusto Severo. Possui tal denominação porque herdou o nome do seu primitivo proprietário, João do Vale Bezerra.
Joaquim Ramalho do Nascimento, que seria um dos chefes dos fanáticos, nasceu no sítio "Cajueiro", em 1862, filho de Manuel Ramalho do Nascimento e de dona Isabel Maria da Conceição.
Luís da Câmara Cascudo traçou o perfil de Joaquim Ramalho, com as seguintes palavras: "Gordo, lento, apático, amarelo, foi menino sujeito às cismas, meditações longas, olhar parado, acompanhando um pensamento misterioso. Com poucos anos, afirma-se a tendência mística, nas orações sem fim, passos tirmoados, braços para o firmamento, rezando missas, impondo penitências".
Joaquim Ramalho cresceu e, adulto, se casou, passando a morar na Vila do Triufo. Continuou, entretanto, com o mesmo comportamento estranho, rezando sempre.
No final de 1894, morreu o vigário de Triunfo, padre Manuel Bezerra Cavalcante, com oitenta anos, sendo chorado por toda a comunidade.
No ano de 1898, Joaquim Ramalho teve um ataque, assim descrito por Câmara Cascudo: "Bruscamente parou, nauseante, gorgulhando vômitos e caiu de bruços, pesadamente". Durante a crise, começou a cantar. Quando recobrou os sentidos, não se lembrava de nada. O fenômeno se repetiu nas outras tardes seguintes. A notícia se espalhou rapidamente, crescendo o número de curiosos, todos querendo assistir à cena. Estava nascendo mais um líder místico no sertão nordestino. Como Joaquim Ramalho tinha lido Allan Kardec, acreditou que estava sendo possuído pelo espírito do velho vigário. Dentro em breve, segundo o beato, o espírito de outro sacerdote passou a se encarnar nele: padre Manuel Fernandes, vigário de Macau.
À medida que o arraial crescia, tudo se desorganizava nos arredores. As pessoas abandonavam o trabalho para seguir o beato, ao mesmo tempo em que aumentava a devassidão.
Um mestiço, de nome Sabino José de Oliveira, de acólito de Joaquim Ramalho subiu de categoria quando recebeu o espírito de um padre italiano, chamado Brito de Maria da Conceição.
Nessa altura dos acontecimentos, "a moral desceu à quota zero" na palavras de Câmara Cascudo.
Começaram, então, a surgir reclamações. O coronel Luiz Pereira Tito Jácome denunciou o movimento ao governador do Estado, desembargador Joaquim Ferreira Chaves que, recebendo várias queixas, nomeou o tenente do Batalhão de Segurança, Francisco Justino de Oliveira Cascudo, para acabar com a festa.
Os dois místicos foram presos em "Pitombeira". Não houve nenhuma reação. Joaquim Ramalho disse apenas que "Deus foi preso, quando mais eu...".
Sabino caiu no chão, como se estivesse sendo possuído por um espírito. O tenente, inteligente, percebeu a "farsa", e bateu nele com a espada. Sabino se ergueu rápido, dizendo: "Pronto seu tenente, o espírito já saiu, Voou na ponta da espada...
"Joaquim e Sabino foram presos e levados para a cadeia de Triunfo. E desmoralizados perante seus adeptos, por causa das declarações que eles prestaram à polícia. O processo policial, contudo, não deu em nada. Os dois beatos foram colocados em liberdade.
Joaquim Ramalho, ao sair da prisão, voltou a trabalhar na agricultura. Morreu no seu sítio "Malhada Redonda", com idade avançada, picado por uma cascavel. Nunca mais recebeu "espírito"... O outro não se sabe como terminou. Uma coisa é certa: ficou totalmente curado...

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